Garota comete suicídio ao vivo em live do Instagram. Pais de menina que cometeu suicídio em live do Instagram cometem suicídio horas depois. Vocalista do Linkin Park comete suicídio. Garota comete suicídio e deixa carta aberta no Facebook.
"Eu nunca vi tanto suicídio em tão pouco texto.
Eu nunca vi tanto suicido em tão pouco tempo.
Eu nunca vi tanto suicídio em tão pouco espaço.
E as mãos estendidas e ouvidos atentos, escassos."
Dias atrás fui a Barueri atualizar meu cadastro no cartório eleitoral. Meu nome, como sempre, fora escrito errado. É sempre Marjoy. Tanto faz. Entrei no ônibus lotado para voltar pra casa com Miguel segurando firme a minha mão. Era hora do pequeno olhar em volta e entender que as coisas são como são. Iríamos de lá até aqui, em pé, e assim foi. — assim fora comigo explicando para o menino agitado e curioso, do porquê iríamos de pé: porque podíamos ficar de pé, e nós dois estávamos bem. Sim, ele perguntou o tempo todo do porquê ninguém nos deixava sentar. Morri de vergonha. — Mas o que mais me surpreendeu naquele momento não foi o fato de ninguém dar o lugar para um menino de quatro anos, o que me surpreendeu fora os gritos histéricos de uma mulher claramente em crise, tentando se fazer ouvir na vida/ônibus/e em seu próprio interior caótico.
No resumo alguém havia implicado com ela porque pelo jeito, a mesma não queria se levantar para alguém “mais necessitado do assento, que ela.” No entanto, enquanto gritava e negava, se explicava de forma explícita o porquê não iria e nem deveria se levantar. Ela havia acabado de retornar do hospital e não estava bem por inúmeros motivos. Falo nesse momento de uma senhora de aparentemente quarenta anos, altura mediana, magra... não estava grávida e pelo que vi, não era “deficiente”. De primeiro momento era natural eu interpretar que a senhora estava pirando, óbvio, e que sim, deveria se levantar para a outra pessoa se sentar seja ela quem fosse.
— Mãe, para com isso, por favor, mãe... para, mãe. Para com isso... já chega... Era o que uma garota dizia, de pé, mais vermelha do que sua própria camiseta.
— NÃO VOU PARAR! ISSO É UMA VERGONHA. NINGUÉM ENTENDE, EU ESTOU DOENTE E NINGUÉM ENTENDE. Ela gritou quando a filha implorou, e eu então eu entendi. Já tinha escutado aquilo antes, eu sabia: Ela estava doente. “Olha, pra isso. Eu expulsava do ônibus.” “Se eu fosse a filha dela, saía de perto.” “Essa é sem vergonha.” “Ai, que frescura!” Joga pedra na Geni! — pensei eu ao ouvir aqueles comentários após passar com dificuldade pela catraca.
— Tadinha, ela é doente. Toma tarja-preta, não se pode julgar, eu sei como é... você não acha!? — falou um homem me encarando, que depois descobri ser o marido da mulher. Não digo que não, ou nunca, se deve contrariar quem tem a doença. Disserto sobre como compreendi o porquê que ela estava agindo daquela forma e como "um assento" naquele momento, significava tanto. Assim que o ônibus esvaziou, ela se sentou atrás, ao lado dele, e a próxima cena que tive que assistir, foi a de sua filha irritada com seus desabafos que nunca cessava, e por ver o pai tão aborrecido, ordenava que o mesmo colocasse os fones de ouvidos. “Talvez, se não der atenção, ela para.” “Se a gente fingir que não vê, acaba a frescura.” “Se ignorar, passa rapidinho. Talvez seria bom internar.” NÃO.
Conversar adianta? Ajuda muito. Remédio controlado? Sim, é recomendado. Terapia? Também. Dar apoio... carinho... ouvir... sim, sim, sim, agora ignorar: NÃO ADIANTA. NÃO AJUDA. NÃO MELHORA. NÃO EVITA. NÃO FAZ O PROBLEMA DESAPARECER, SENDO ASSIM, MUITO MENOS TRATA. Apenas coloca a pessoa a um passo do precipício que fica localizado lá no extremo, e esse extremo é um lugar alto, muito alto. Nesse lugar se encontra remédios em excesso, veneno, facas, pontes, prédios, cordas em batentes, em árvores, — como daquela garota inglesa que também partiu do extremo, no seu quintal, em uma live no facebook. — milhares de opções sem volta. E aí restam somente as perguntas que geralmente não são respondidas. Aqueles porquês, sabe!? Por que ele? Por que assim? Por que eu não fiz nada? Por que eu não imaginei? Não consegui impedir? E o mais impactante é que o problema permanece visível e palpável para quem fica. A pessoa vai e aquele problema, lá, “que era só ignorar”, fica. Tem o tal do bendito porquê, o que se pode fazer para evitar mais um, encontrar aonde foi o ponto em que “você errou”... Você se lembra que jogava pedra na Geni.
Não dá para compreender, os motivos são inúmeros e os problemas acumulados. E tudo é sempre o mesmo, e tudo é sempre igual. Quem tem, sabe como é. Depressão não escolhe idade. O peso do mundo nas costas, o “estar rodeado de pessoas e se sentir extremamente sozinho”, tudo fica escuro demais, profundo sentimento de perda, decepção, fracasso, sentimento de inutilidade, aquela força para parar de chorar que nunca chega... desespero e agonia. PROBLEMAS. “Será que é hoje que eu vou morrer?” "E essas dívidas? E esse luto? E esse amor que não volta? E essa casa? E esses filhos? E esse trabalho? Merda, e essa vida???
Apesar de na maioria das vezes essa doença extremamente cruel ser desencadeada por um motivo específico, não é sempre que isso acontece. Quem julga diz que é bobagem, à toa, mas porque é leigo. A dor passa a ser física, os músculos doem, o peito arde, a cabeça, então, parece que vai explodir. O corpo inteiro sofre, além da alma. “Tá aí, jovem, lindo, tem o mundo pela frente, fica fazendo graça:” (Pré) conceito. É o fim de tudo para muitos que não viveram nada. É aquele banquinho que escapa quando a água já está quase alcançando o nariz. São as mãos estendidas em escassez, e é a subtração de tudo o que você amava: as pessoas, os dias, os amores, o fôlego, a luz, as chances, a força, o espaço, o tempo, a vida... Na real o porquê dessa doença ninguém nunca respondeu. É preciso tratar, medicar, ouvir, entender, e principalmente ajudar. Mesmo quando a pessoa se recusa. — e principalmente nessas condições. — Porque quando ela chega ao extremo e pula, é você quem fica com os porquês, e — por essas e outras. — em minha opinião de “leiga”, acredito que depressão pode sim, ser uma doença contagiosa.
Não jogue mais pedras na Geni, ajude-a sair de lá.